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A POUSADA DOS ESPÍRITOS

Havia muitos xamãs em Buru. Os que viviam em aldeias e cidades se dedicavam a curar os feridos e os doentes, consagrar celebrações, fazer oferendas e abençoar caçadores contra os perigos da planície. Havia outros, porém, que se retiravam do convívio com outras pessoas e vagavam pelas trilhas pedregosas entre as amplas campinas e colinas nuas; seguiam o curso das manadas de bisões, os relâmpagos e outros sinais dos deuses, e viviam como animais ou loucos, pois seus poderes tornavam impossível a convivência com seres humanos comuns.

Háuko era um destes xamãs selvagens. Incapaz de se lembrar de seus parentes ou de como era a vida antes de encontrar os espíritos, chegou a uma encruzilhada. Ali, construiu uma cabana de palha e barro com a ajuda de alguns seguidores — por alguma razão, estes feiticeiros itinerantes sempre atraíam a presença de seguidores, que se tornavam tão desgrenhados, sujos e andrajosos quanto os próprios xamãs com o passar do tempo.

Com o passar do tempo, os seguidores se foram, assim como o movimento de pessoas na velha intersecção entre duas estradas no meio da campina árida. Solitário, o velho xamã buru transformou sua casa na encruzilhada em uma pousada para os espíritos. Ali vendia canções e bebida para as aparições sedentas.

 

E aparições são tão sedentas e carentes de atenção quanto os vivos, às vezes mais, posto que ninguém toma conta de fantasmas – de modo geral ninguém gosta de ter fantasmas por perto. Mas o velho xamã buru recebia a todos os desencarnados e amaldiçoados que vagavam pelos ermos de braços abertos.

 

— Posso entrar? Posso? Posso? Posso? — disse a criatura, esticando gentilmente a cabeça pela cortina de couro que servia de porta. — Estou com uma sede desgraçada, você nem imagina! Sede, sim sede, muita sede!

 

— Claro! Claro, entre logo! — disse o xamã, bastante surpreso e confuso. — Você parece estar bem longe de casa.

 

A criatura se sentou em uma esteira carcomida enquanto o xamã se dirigia até o poço atrás da casa com um vaso de barro.

 

— Na verdade estou longe mesmo, longe, longe, longe — disse a criatura, coçando atrás da barbatana que ocultava uma guelra na lateral do pescoço. — Como você sabe disso?

O xamã voltou para dentro e misturou um pouco de sal na água antes de dar o recipiente ao hóspede.

 

— Bem, você tem escamas — disse ele. — E, não se ofenda, olhos de peixe.

A criatura teria piscado se tivesse pálpebras, mas apenas enfiou a cabeça no saboroso vaso de água salgada, sorvendo todo o seu conteúdo rapidamente.

 

— Então você sabe o que sou — disse, com um filete de líquido escorrendo pelos lábios.

 

— Então vim ao lugar certo, a cabana do velho Háuko! Háuko, o feiticeiro buru, o anfitrião Háuko, Háuko, o protetor dos encantados!

— Ao seu dispor, caro sereio — disse Háuko, torcendo um cacho da barba. Não era comum que burus tivessem uma barba tão volumosa, mas ele havia conjurado um feitiço para obter uma, já que pelos faciais, mesmo ralos, eram um sinal de hombridade e respeitabilidade na planície. O cocuruto, em contrapartida, era meticulosamente raspado: um dos muitos sacrifícios a que um feiticeiro precisava se submeter para manter seus poderes.

 

O sereio mostrou-se ainda mais surpreso.

— Certo, certo, certo, certo! — disse ele. — Uma coisa é saber o que sou, outra bem diferente é saber que sou macho! Além de uma pequena diferença no tamanho e na coloração das escamas, não há muito que possa distinguir sereias machos das fêmeas, e certamente nenhum mortal chegou perto o bastante de nós para aprender a diferença e sobreviver!

— Hum. Até onde sei, as sereias adquirem forma quase idêntica à humana tão logo colocam um pouco de pele para fora da água. Quando andei pela costa ouvi relatos de marujos sobreviventes: nunca viram uma sereia que tivesse não tivesse aparência de mulher. Sou um sujeito curioso e fiz muitas suposições, até concluir que os machos provavelmente seriam mais fracos que as fêmeas, como ocorre com muitos animais, e que elas alimentam o cardume, e que eles sequer conseguem assumir a forma necessária para ludibriar marinheiros luxuriosos. Considerando que você parece estar fora d’água há um bom tempo e ainda tem escamas, barbatanas e, bem, uma cauda, creio que supus corretamente.

— Ah! Ah! Ah! Ah! Você é bem esperto, velho Háuko! Sem dúvidas é um inconveniente não poder se transformar. As pessoas que me encontraram no caminho até aqui pareciam bem assustadas, e eu não gosto tanto assim de chamar atenção! Só que eu precisava muito vir aqui e...

— Ô de casa! — disse alguém à entrada. — Háuko!

— Olá Quillay! Entre, vamos — respondeu o xamã, reconhecendo de imediato a voz feminina — Estava mesmo me perguntando se você não viria a tempo da lua cheia.

Quillay ergueu a cortina de couro para entrar. Ainda que fosse um espectro e pudesse atravessar superfícies sólidas, trazia consigo um cesto de verdade, preso a testa por uma tira. O sereio ficou assustado, pois nunca vira uma desencarnada: parecia a imagem difusa e azulada de uma humana. Parecia ser uma mulher wayar, do povo que vivia além das montanhas, baixa e sorridente, com uma túnica comprida, repleta de desenhos elaborados, mas usava um adorno incomum: uma pele de lobo ainda com a cabeça amarrada no lugar onde uma mulher wayar comum usaria o xale.

— Não se preocupe, meu caro. — Háuko tranquilizou seu primeiro cliente colocando a mão sobre o ombro escamoso. — Imagino que vocês que se alimentam de carne humana devem temer almas humanas, mas Quillay veio de longe e nunca viu o mar. E mesmo que fosse este o caso, eu sempre a receberia calorosamente, pois é minha fornecedora.

— É verdade — disse ela, já desempacotando vários pequenos recipientes do grande cesto. — Enquanto eu era viva sempre me diziam que minha comida era coisa do Outro Mundo. Suponho que agora isso seja verdade e não ironia.

Ela pegou uma das tigelas de Háuko, então abriu o lacre de cera de um de seus vasinhos e despejou na tigela uma quantidade de líquido muito maior do que o vasinho parecia ser capaz de conter.

— Tome, encantado molhado — disse ela, oferecendo a tigela ao sereio. — Desculpe a demora, Háuko. Eu mesma achava que chegaria uns dois dias atrás, mas foi difícil negociar com o Chifrudo dessa vez.

Háuko conteve uma risadinha. Entre os burus, “chifrudo” era uma gíria comum para designar homens traídos pelas esposas; ele sabia, contudo, que o Chifrudo em questão, de quem Quillay obtinha suas matérias-primas, não era exatamente um homem, e provavelmente ninguém ousaria traí-lo.

— Você se arrisca demais andando por aquele lugar tenebroso, Quillay.

Ela fez uma careta engraçada, tornando seus olhos pequenos ainda menores.

— O que vão fazer comigo? Já estou morta. E além do mais, o Chifrudo precisa das informações que eu trago do mundo aqui fora. Ele jamais tocaria em um fio do meu cabelo fantasmagórico.

Háuko riu.

— Certo, certo — disse ele, separando um pouco de farofa que ela trouxera em alguns pratos de barro. — O chefe não vem dessa vez?

— Ele anda ocupado, mas mandou uma remessa novinha de histórias para você. — Ela tirou de uma dobra do manto de lobo outro vasinho e o chacoalhou, emitindo uma cacofonia de vozes abafadas, como se milhares de palavras trombassem umas nas outras e batessem nas paredes internas do recipiente, reclamando das dores causadas pelos choques. — Ele disse para usar com moderação.

— Vou tentar, Quillay, mas você sabe que o pessoal aqui é bem faminto por histórias.

 

— Histórias são aquelas coisas que humanos inventam para passar o tempo, certo? — interrompeu o sereio. — Nós preferimos passar o tempo comendo. Aliás, isso aqui é uma delícia, dona fantasma! Sim, sim, sim, sim, uma de-lí-ci-a! — ele mostrou os quatro dedos membranosos da mão em um gesto de celebração. — Parece de outro mundo mesmo! Aliás, se você fala do “mundo aqui fora”, é por que traz coisas de um “mundo lá dentro”, não é?

— Bem, na verdade...

— Alguém falou em moderação?

Uma mulher de capa cinzenta surgiu das cinzas da lareira, erguendo um enorme báculo.

— Quillay tem razão, Háuko — disse ela. — Mais importante do que saber o que se deve incluir em uma história é saber o que não se deve incluir em uma história. Se eu souber de qualquer exagero, voltarei e farei algumas supressões.

Após dizer isso, a feiticeira converteu-se novamente em cinza e desmoronou de volta para as chamas.

— Não me entenda mal, Háuko — começou o sereio. — Este lugar é muito agradável e tudo mais, mas será que é possível prosseguir com um tema de conversa sem interrupções bizarras?

— Puxa vida!

— Calma, calma, com certeza você pega eles da próxima vez. Se quiser posso te ajudar dando uma olhadinha por aí.

— Você anda bem engraçadinha ultimamente.

Duas vozes femininas novas, também reconhecíveis para Háuko. Entraram sem cerimônia: a primeira era o espectro translúcido de uma mulher baixa com uma enorme faca de bronze na mão direita; em vez do azul aveludado de Quillay, sua aura era de um tom vermelho alarajando, como se uma chama suave a iluminasse de dentro para fora. A segunda pareceria uma mulher normal, se não fosse incomumente pálida, com estranhas feridas visíveis na pele do rosto, braços e canelas, deixada exposta pela túnica de tamanho médio. Ela insinuava um sorriso maroto, segurando cada um de seus olhos em uma das mãos. As órbitas vazias davam um ar tremendamente sinistro a um rosto que, de outra forma pareceria muito elegante e delicado.

— Háuko, você poderia dar um pouco daquela bebida relaxante para a Dorminhoca? — disse a morta-viva, colocando os olhos de volta no lugar. — Se ela não gostou dessa piada é porque está meio azeda.

— Claro que estou azeda — disse, com uma voz calma e uma expressão facial que não transparecia qualquer sinal de ira. — Aqueles safados escaparam de mim. Deixaram uma barreira de sal grosso em volta da porta. Quando consegui atravessar, já tinham acordado e pulado a janela.

Háuko sussurrou para o sereio enquanto as recém-chegadas bebiam um pouco.

— A Dorminhoca é um espírito vingativo. Tem muitos desses na planície. Alguns furam os olhos de gente invejosa, outros entopem a boca de gente avarenta que não recebe bem seus hóspedes, até que morram de tanto comer. Ela procura homens safados e remove a jeba do sujeito.

— E por que a chamam de Dorminhoca?

O sereio perguntara um pouco alto demais.

— Por que eu gosto de despirocar eles quando eles dormem — respondeu o espectro avermelhado.

— Nesse caso não deveriam te chamar de Acordada ou de Nunca-Dorme ou qualquer um desses nomes engraçados que vocês dão para estes personagens destas histórias?

— Histórias nem sempre fazem muito sentido, sereio — disse o xamã, dando uma piscadela. — Normalmente elas fazem seu próprio sentido.

— Certo, certo, certo, certo — respondeu o ser aquático — por isso gosto quando as histórias tem um narrador que explica tudo. É uma solução bem elegante.

— É conveniente, eu acho — disse Quillay. — Mas eu prefiro quando a história deixa que você entre nela sem perceber que é uma história.

— Gosto de histórias com desfechos violentos. E tripas. Aliás... — A morta-viva pressionou a garganta para colocar no lugar o esôfago, que escapara para fora devido ao influxo de bebida mágica. — Não sei porque mantenho essas coisas. Não parece sábio se agarrar a coisas tão passageiras quanto órgãos internos.

— Posso te ajudar — disse a Dorminhoca. — Estou precisando decepar algumas coisas para me distrair um pouco.

— Alguém falou em distração?

Ao atravessar a cortina, o novo comensal parecia um pássaro de metal dourado que deixava rastros luminosos atrás si, mas logo explodiu em poeira brilhante e limalha. Da fumaça emergiu um homem de cabelo bem penteado e vestes muito incomuns. Embora parecesse uma figura insólita em quase todo o resto, carregava um pequeno instrumento de cordas muito apreciado pelos burus.

— Vocês parecem uma plateia de bom gosto — disse ele — permitam que eu cante uma canção em troca de ceia e pouso.

— Alguém falou em decepar coisas? — interrompeu a próxima conviva. — Faz alguns anos que não decepo nada. Seria bom voltar aos hábitos! Também gosto de histórias sobre pessoas decepando outras pessoas!

Era mais um espectro feminino, todavia significativamente diferente das anteriores. De coloração esbranquiçada e olhos vermelhos, era o espírito de uma hetá, da nação de mulheres guerreiras que viviam mais no Sul. Vestia tanga e bandoleiras vermelhas, tinha a fronte adornada por um cocar de penas e portava um medalhão de nefrita, esculpido em forma de sapo; carregava um arco, um tacape e uma aljava cheia de flechas.

— Pois eu prefiro histórias com afogamentos — interferiu o sereio. — Ou com incêndios. Fogo é algo realmente fascinante. — Ele olhou fixamente a lareira no centro do piso de terra batida, o brilho alaranjado refletido em seus olhos sem pálpebras. — Mas o que?

O fogo da lareira explodiu espalhando fagulhas. As chamas adquiriram os contornos de uma figura masculina com uma expressão meio enfurecida e meio traquinas no rosto.

— Discórdia! Discórdia! — gritou, gargalhando.

— Saci! — gritou a morta-viva.

— Tinhoso! — gritou a Dorminhoca.

— Olá, tudo bem? — disse o sereio.

Uma nuvem de poeira roxa explodiu ao lado do bardo de roupas estranhas, materializando-se como um xamã, vestido com simplicidade como Háuko, mas de aparência mais séria. Casualmente movendo as pedras em seu ábaco, ele se tornava cada vez mais palpável. Olhou ao seu redor, preservando o mesmo tom de voz e a expressão impávida.

— Sabia que o encontraria aqui — disse o xamã recém-chegado, olhando para o demônio da lareira. — Certo, certo. Alguém pode me dar uma peneira e uma garrafa vazia?

— Desculpe, amigo — disse o sereio. — De algum modo, parece que as garrafas não ficam vazias por aqui.

O demônio da lareira riu e explodiu novamente, desaparecendo nas cinzas. Sua gargalhada rouca ressoava como um presságio de mais traquinagens.

— Nunca me capturarão! Discórdia! Discórdia!

— Ratazanas e pororocas — amaldiçoou o xamã recém-chegado, movendo novamente as pedras em seu ábaco. — Perdoem que eu não fique mais tempo, senhoras e senhores. Com sua licença.

E desapareceu em outra nuvem roxa.

— Negócio movimentado hoje, Háuko — disse Quillay. — Eu devia ter trazido mais coisas.

— O que importa é que me trouxe.

A voz saía de uma tacinha que a fantasma segurava. De algum modo, a bebida à base de batata, produzida por meio de uma complexa alquimia que apenas Quillay dominava, possuía voz e personalidade.

— Sabe quando você fala alguma bobagem e diz “é a bebida falando”? — disse a bebida de batata. — Então, sou eu!

Todos gargalharam, mas o rompante de alegria foi interrompido em um instante pela chegada de uma chocante aparição. Enquanto o corpo descomunal se espremia pela porta, cessaram todas as conversas e batidas de copos.

— Está vendo, Ágo? É uma pousadinha bem pequena, nunca vamos caber aqui dentro! — disse uma das cabeças.

— Não com toda essa gente aqui dentro. Ágo está certo — disse a cabeça do meio. — Talvez se comêssemos alguns deles... livraria um pouco de espaço!

— Você sempre concorda com o Ágo, Ágo — resmungou a outra. — Me pergunto se algum de vocês algum dia ouvirá o que tenho a dizer.

— Claro que Ágo sempre concorda comigo, Ágo! Eu sempre estou certo! — A primeira cabeça se voltou para os comensais, forçando um sorriso amarelo e tentando tranquilizá-los. — Desculpem-nos. Ninguém aqui será comido, embora o Ágo aqui tenha um certo gosto por carne de sereia, garanto que irá se comportar.

— É por causa de atitudes como a sua que nossa espécie está em extinção, Ágo — disse a terceira cabeça.

O monstro musculoso e escamado de três cabeças tentou se acomodar ao lado da Dorminhoca, mas ela expôs a longa faca de bronze sobrenatural – perpetuamente suja de sangue – e ele preferiu se acomodar ao lado do sereio, não obstante a tentação que isso pudesse representar.

Para o desgosto de Quillay, Háuko abriu completamente o selo do vasinho mais precioso de todos, deixando escapar pelos ares uma infinidade de histórias e canções, entoadas na bela voz do Chefe, e todos pararam para ouvir a sinfonia mágica, algo insólito e mágico, mesmo no mundo dos fantasmas e das aparições.

O velho xamã fez isso porque desejava se retirar para tomar um pouco de ar fresco. Gostava da companhia, mas sua pequena casa na encruzilhada já estava ficando desconfortavelmente cheia. Olhou para as estrelas, depois para a estrada, espreguiçou-se e suspirou.

— Com licença, senhor — disse um jovem fantasma, passando ao seu lado para entrar. Quando vivo, havia sido um ilhéu, do povo que vivia além do mar, grandes navegadores. Vestia um turbante, um pano ao redor da cintura e uma capa colorida de penas de flamingo e arara azul. Seus traços, porém, eram completamente invisíveis, abaixo dos olhos, pois sempre segurava um mapa desenhado em pele de tubarão diante do rosto. — Já encontramos, é aqui mesmo! Podem ir! Obrigado pela companhia na estrada.

Háuko permitiu que o jovem fantasma entrasse e se virou para ver quem o havia trazido. Seu rosto se iluminou com um sorriso ao ver a mulher de aparência venerável, vestida com um longo manto e adornos de ouro e plumas iridescentes; ao lado dela havia um rapaz de túnica escura e expressão indecifrável.

— Não vão entrar? — perguntou o velho xamã.

— Adoraríamos, meu velho — disse ela. — Mas não queremos abusar da sua hospitalidade. Ela já parece bem abusada. E além do mais, precisamos chegar logo a Cajueiros. Um barco nos espera. Quem sabe na próxima lua cheia, meu caro.

O velho xamã deu de ombros e sorriu.

— Haverá muitas ainda — disse ele. Então se virou e adentrou novamente sua casa repleta de amigos e canções.

Não viu, porém que alguém o acompanhava. Todos ficaram ligeiramente chocados com a última figura a entrar na sala: um homem médio, médio até demais para aquela cena, completamente careca e vestindo uma tanga, carregando uma bolsa da qual despontavam peles enroladas e meia dúzia de pinceis sujos.

— Estão olhando o que? — perguntou ele. — Alguém precisava registrar este momento, não acham? Aqui, senhor, eu lhe trouxe algo que nem mesmo seus fornecedores mais obscuros são capazes de oferecer.

— Bem, senhor — disse Háuko. — Lamento, mas creio que esta história acabou e não há mais espaço de sobra para um novo personagem e...

O último conviva vasculhou sua bolsa rapidamente e entregou a Háuko um recipiente de barro repleto de líquido. O velho xamã abriu o lacre e enlouqueceu com o aroma forte de gengibre que emanou dali.

— Bem, bem, pode entrar, senhor! — Háuko tomou um gole da bebida, deliciado. — Precisa que façamos alguma pose em especial?

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